Brasil

Britânico acusa mãe brasileira de 'esconder' filha há 15 anos

Martin Boyle diz que continuará procurando a filha Rebeca, que vive no Brasil

Martin ficou preso em Guarulhos em uma cela com diversos outros presos

Um professor universitário britânico está tentando na Justiça brasileira obter acesso à sua filha biológica, brasileira, que ele diz estar sendo dificultado pela mãe há 15 anos.

Martin Boyle, da Universidade de Kent, diz que não consegue ver sua filha, Rebeca, porque a mãe evitou todo contato durante todos esses anos, usou informações falsas para tirar legalmente dele o poder paterno sobre a menina, e providenciou para que ela fosse adotada posteriormente pelo padrasto.

"Encontrar minha filha ocupa toda a minha vida. Eu acordo pensando nisso e, antes de dormir, esse é meu último pensamento", disse Boyle à BBC Brasil. "Quero que ela saiba que eu a amo muito, que nunca desisti dela e que nunca parei de procurá-la."

Em contato por email com a BBC Brasil, a mãe da adolescente, Mara Rezende, disse que "por força de lei" não pode entrar em detalhes sobre o caso, mas ressaltou que a adoção de Rebeca se deu "com toda a legitimidade" conferida pelo Estado brasileiro.

Alienação familiar

O drama ilustra o crescente fenômeno de disputas entre famílias de diferentes países e, em particular, a discussão sobre o que os especialistas chamam de alienação familiar.

O tema é alvo de um projeto de lei atualmente em tramitação no Congresso Nacional.

Segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), a alienação ocorre quando existe intenção de eliminar o vínculo de um dos pais biológicos com o filho, normalmente através de manipulação de informações e distorção da imagem do outro.

Martin afirma que foi vítima de uma estratégia deliberada de Mara de dificultar o acesso dele à filha. Mara diz que Martin abandonou a menina e desapareceu por todos esses anos.

Os detalhes da disputa estão sendo levados para a Justiça de São José dos Campos, em São Paulo, em um processo no qual Martin tentará anular a decisão anterior de perda de poder paterno.

O casal viveu junto na Inglaterra e no Brasil. Rebeca nasceu no Brasil em julho de 1992, cinco meses antes de ocorrer a separação e Martin voltar para a Grã-Bretanha.

Segundo Martin, a comunicação foi difícil desde o primeiro momento. Na tentativa de ver a filha, o britânico voltou ao Brasil em 1994. Viu-a por acaso certa ocasião em uma igreja. "Me desfiz em lágrimas quando vi minha filha", contou.

Naquele momento, Martin diz que enviava uma pensão mensal de 180 libras esterlinas (cerca de R$ 500 nos atuais níveis de câmbio), da qual nunca recebeu confirmação de recebimento.

Apesar dos percalços, o britânico diz que conseguiu manter contato telefônico com a filha "até 1999 ou 2000".

"Ela sabia que eu era o pai dela, e dizia que me amava e que queria que fôssemos uma família. E eu dizia que esse também era o meu maior desejo."

Mas a comunicação foi cortada quando ele anunciou que se casaria novamente na Grã-Bretanha. Na última vez que Martin diz ter conversado com Rebeca, em 2002, a filha tinha dez anos de idade.

A partir daí, o pai diz que foi ao Brasil outras vezes na tentativa de reatar o contato – sem sucesso.

Em 2005, ele chegou a lavrar um Boletim de Ocorrência afirmando que os ex-sogros se recusaram a informar onde viviam a ex-mulher e a filha.

Em 2008, em um dramático acontecimento, foi preso ao desembarcar no aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos, em decorrência do atraso na pensão alimentícia – a única possibilidade de encarceramento por dívidas que a lei brasileira prevê.

Martin disse que, como não recebia confirmação dos pagamentos, parou de mandar o dinheiro em 1993 e abriu uma conta na Inglaterra, na qual fazia os depósitos.

Após 15 dias em uma cela apertada, dividida com outras 15 ou 20 pessoas, os advogados conseguiram uma liminar para retirá-lo da prisão.

Mas a essa altura, o caso já sofrera uma reviravolta. Em 2002, Mara havia se casado novamente com um técnico químico com quem se relacionava desde 1997.

Os dois entraram na Justiça com um processo no qual alegaram que o pai biológico abandonara a filha e que vivia em endereço indeterminado. Após uma citação por edital, a Justiça acabou tirando de Martin o poder familiar sobre Rebeca em 2006.

"A adoção de minha filha biológica se deu pelo meu marido com toda a legitimidade e já teve inclusive o reconhecimento do Estado brasileiro", afirmou Mara, em comunicação com a BBC Brasil.

O que está na base, no fundo e acima de tudo é o interesse da criança. Isso está em todas as convenções e tratados internacionais. Os adultos podem se virar, mas a criança tem de ser preservada a qualquer custo.

Rodrigo da Cunha Pereira, Instituto Brasileiro de Direito Familiar (Ibdfam)

Ela disse que, agora, José Augusto é pai "de fato, por afeto e de direito" de Rebeca.

"Minha filha não me conhece, virei um estranho para ela", lamenta Martin. Ele diz que Mara e José Augusto sempre souberam de seu paradeiro, mas omitiram a informação à Justiça.

"Ela acha que desapareci e que não quero saber dela. Claramente ela passou por uma lavagem cerebral."

Implicações políticas

A batalha judicial sublinha uma disputa que, no fim das contas, se dá em torno da ocorrência ou não da chamada alienação familiar. Em um projeto de lei que tramita no Congresso, essa prática é transformada em crime punível com até dois anos de cárcere.

A sentença poderia ser aplicada não apenas aos pais biológicos da criança, mas a qualquer outra pessoa – tipicamente, membros da família – que comprovadamente colaboraram para "envenenar" a relação entre pais biológicos e filhos.

"O que está na base, no fundo e acima de tudo é o interesse da criança", explica o advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Familiar (Ibdfam), Rodrigo da Cunha Pereira, um dos defensores da proposta.

"Isso está não apenas no sistema jurídico brasileiro, mas em todas as convenções e tratados internacionais. Os adultos podem se virar, mas a criança tem de ser preservada a qualquer custo."

Segundo o advogado, a legislação é necessária para promover o conhecimento sobre o tema, já que 80% dos casais divorciados já viveram essa situação.

"O conceito foi criado por um psiquiatra americano em 1985 a partir da observação de vários casos. E lá (nos EUA) virou lei. No começo de 2000, o debate começa a surgir no Brasil e, como muitos juízes são ignorantes sobre esse assunto, nós resolvemos fazer um projeto de lei."

Para Cunha Pereira, "a partir do momento em que se dá nome a essa maldade humana, (a lei sobre a alienação familiar) passa a ser um instrumento jurídico".

O presidente do Ibdfam diz que o texto tem grande apoio entre os parlamentares. O projeto foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família do Congresso, e está agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

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