ELISABETH DOBRZENSKY VON DOBRZENICZ,"IMPERATRIZ
DO BRASIL"
Por Victor VILLON
O SEGREDO DO VITRAL
Petrópolis é uma aprazÃvel cidade, de clima ameno, localizada nas serras próximas Ã
cidade do Rio de Janeiro. Ali, o Imperador, Dom Pedro II (1825-1891), repousava do
calor abrasador dos verões da, então, capital do Império do Brasil. Atualmente,
Petrópolis ainda preserva bravamente o seu plácido encanto, tão propÃcio para a
serenidade da alma, ainda que os tempos modernos tenham ofuscado as suas glórias
passadas. Muitos turistas, todos os dias, adentram a Catedral de São Pedro d´Alcântara,
onde um pequeno e sóbrio panteão guarda os restos mortais de Dom Pedro II e dos
principais membros da famÃlia imperial. Entretanto, há um pequeno detalhe, em um dos
belos vitrais, que adornam a igreja, que passa despercebido para quase todos os
visitantes, sejam esses turistas ou moradores da cidade.
Na parte inferior, de um dos vitrais, vemos dois brasões juntos, lado a lado, e encimados
pela coroa Imperial. Trata-se do brasão da famÃlia imperial do Brasil e, o outro, dos
Condes Dobrzensky von Dobrzenicz. O detalhe poderia ser de pouca importância, mas
por trás dele há uma história de amor, uma questão dinástica e o reflexo das vicissitudes
da história. Os dois brasões simbolizam o enlace matrimonial de Dom Pedro
d´Alcântara, PrÃncipe do Grão Pará, e da Condessa Elisabeth Dobrzensky von
Dobrzenicz.
O PRÃNCIPE DO GRÃO-PARà E SEUS EXÃLIOS
O PrÃncipe do Grão Pará nascera em 15 de outubro 1875, em Petrópolis, era filho da
Princesa Imperial do Brasil, herdeira do trono dessa monarquia tropical, que entraria
para a história, mais precisamente, como a Princesa Isabel (1846-1921). Nenhum dos
filhos varões do Imperador Dom Pedro II vingara: Dom Afonso, nascido em 1845,
morrera com a idade de dois anos, Dom Pedro, nascido 1848, morrera com a idade de
um ano. Como continuadores dos Bragança do Brasil só restavam duas meninas: Isabel
e Leopoldina (1847-1871). Talvez, a casa de Bragança não tenha sido muito feliz com
suas herdeiras do sexo feminino. Ao contrário da Inglaterra, que sempre teve grandes
soberanas. Primeiramente, temos Dona Maria I (1734-1816), Rainha de Portugal,
mulher extremamente religiosa, que acabou por enlouquecer, vendo o demônio por toda
parte, e ficou conhecida, no Brasil, como Dona Maria "a Louca". A princesa Isabel,
trineta da soberana portuguesa, era tão apegada a religião quanto sua antepassada,
porém não enlouqueceu, mas também não foi imperatriz, tampouco rainha.
Mas antes de continuarmos nossa explanação, vem à baila o significado do tÃtulo de
"PrÃncipe do Grão Pará". Segundo a constituição de 1824
1
, que vigorou durante todo o
império, o herdeiro do imperador portaria o tÃtulo de "PrÃncipe Imperial". Por sua vez, o
filho primogênito do PrÃncipe Imperial receberia o tÃtulo de "PrÃncipe do Grão-Pará".
Grão-Pará era a maior das provÃncias do Brasil. Essa provÃncia ocupava o que seria, em
nossos dias, os estados do Pará, Amazonas, Amapá e Roraima. Como homenagem a
essa distante provÃncia, denominou-se tal tÃtulo principesco de "Grão-Pará". É provável
que a escolha tenha sido influenciada pelo anseio da elite polÃtica de então. O Brasil
acabara de obter sua independência e era preciso, a todo custo, fabricar uma identidade
nacional. A relação com a natureza grandiosa e, até mesmo, paradisÃaca foi um dos
elementos preferidos por essa geração de "fundadores do império", em sua empreitada
de criação de sÃmbolos identitários. Ora, era, justamente, nas vastidões da ProvÃncia do
Grão-Pará que corriam as caudalosas águas do Rio Amazonas e onde, também,
triunfava as imensidões verdes da floresta amazônica.
A princesa Isabel viria a se casar, em 15 de outubro de 1864 com o prÃncipe francês
Gaston d´Orléans, Conde d´Eu (1842-1922), neto de Louis-Philippe (1773-1850), Rei
dos Franceses. Isabel e Gaston custaram para ter filhos, o que nesse caso, era muito
mais do que uma questão familiar, mas, sobretudo, uma questão de Estado, pois daÃ
dependia a sucessão imperial. A aparente infertilidade da princesa herdeira preocupava
a todos. Foi somente no ano de 1874, que Isabel daria à luz a uma menina, porém, que
já nascera morta. Mas no ano seguinte, viria ao mundo Dom Pedro d´Alcântara. A
gravidez foi cheia de cuidados, o parto muito difÃcil e, no meio da aflição de todos, o
Dr. Depaul, médico francês que viera especialmente para a ocasião, distorceu o braço da
criança. Esse acidente deixaria seqüelas; Dom Pedro d´Alcântara ficaria com braço
atrofiado para o resto da vida. Ao todo teriam três filhos que atingiriam a idade adulta.
Sobre a infância de Dom Pedro d´Alcântara o historiador americano Roderick Barman
faz uma análise arguta e muito interessante. Vale a pena citá-la, pois a própria maneira
como era visto por seus pais, pode ter influenciado, posteriormente, nas condições
impostas para que seu casamento, com a Condessa Elisabeth Dobrzensky, pudesse
acontecer.Um pouco mais para frente nos deteremos nessa questão, por enquanto
façamos atenção à criação do PrÃncipe do Grão-Pará:
À época em que a famÃlia fixou residência nos arredores de Versalhes, seu filho
mais velho, Pedro completou quinze anos. LuÃs era dois anos mais novo, e
Antônio ou "Totó", como o apelidaram, estava com nove. Os três meninos eram
muito diferentes no caráter. Pedro era gentil e simpático mas não gostava de
estudar e, geralmente, se mostrava desajeitado. LuÃs tinha força de vontade, era
muito ativo e perspicaz. Em março de 1890, seu pai comentou: "O Bebê Pedro
sempre se destaca pela indolência e a inépcia", ao passo que "LuÃs faz
exatamente o mesmo trabalho escolar sozinho, com um prestÃgio e uma
capacidade admiráveis". É provável que a facilidade com que LuÃs superava o
irmão mais velho e a atitude crÃtica de seus pais tenham tornado Pedro menos
disposto a competir, inibido que era em virtude do defeito no braço e na mão
esquerdo.
Em 15 de novembro de 1889 é proclamada a república no Brasil, toda a famÃlia imperial
é obrigada a se exilar, primeiro e, por pouco tempo, Portugal. Por fim e definitivamente,
a França.
Como bem sabemos, a antiga educação de um prÃncipe passava pela formação militar. A
Dom Pedro d´Alcântara, ao atingir a idade de servir o exército, não aconteceu de forma
diferente. Entretanto, apresentava-se uma dificuldade, para que o prÃncipe brasileiro
pudesse integrar uma academia militar. A lei do banimento impedia a famÃlia imperial
de pisar em terras brasileiras, quanto mais servir o exército desse paÃs. No que dizia
respeito à França, a república vetava a entrada dos descendentes dos monarcas franceses
na carreira militar, receosa que pudessem conjurar contra o regime estabelecido. Não
podemos nos esquecer que Dom Pedro d´Alcântara era um verdadeiro Orléans por
linhagem varonil, bisneto de Louis-Philippe, o último capetÃngio a cingir a coroa
francesa. Mas na Europa ainda havia um grande império, com um velho monarca,
católico e guardião das mais castiças tradições da realeza. O império era o Austro-
Húngaro e o imperador, obviamente, era Franz-Joseph I (1830-1916). Além disso, o
imperador austrÃaco era um parente próximo. Dom Pedro II - o avô do jovem prÃncipe
brasileiro - era filho de Dona Leopoldina (1797-1826), a culta e inteligente
arquiduquesa da Ãustria, que fora enviada para o distante Brasil. Por conseguinte, o
falecido monarca brasileiro era primo-irmão do Imperador da Ãustria. Como se era de
esperar, Dom Pedro d´Alcântara pôde cursar a academia militar de Wiener Neustadt.
Com toda certeza, o Império Austro-Húngaro, nos alvores do século passado, não
poderia deixar ninguém indiferente. Esse era um caldeirão de povos e de efervescência
cultural, curiosa mescla de espÃrito de vanguarda com um profundo conservadorismo. É
suficiente mencionar que, ao mesmo tempo, em que surgia Sigmund Freud (1856-
1939), Gustav Mahler (1860-1911), Gustav Klimt (1862-1918), Franz Kafka (1883-
1924), o Imperador Francisco-José ainda demonstrava Ãmpetos de monarca absolutista.
Ãmpetos não só no âmbito da polÃtica, mas extensivos a sua própria famÃlia: proibira o
casamento de Leopold-Ferdinand (1868-1935) com a Infanta carlista Dona Elvira
(1871-1929), expulsara da corte seu irmão mais novo, Ludwig-Viktor (1842-1919), e
impusera um casamento morganático ao seu sobrinho e herdeiro, Franz-Ferdinand
(1863-1914), ainda que a noiva, Sophie Chotek von Chotkowa und Wognin (1868-
1914), pertencesse a uma nobre famÃlia da Boêmia, que remontava ao século XIV.
Mesmo que Dom Pedro d´Alcântara não tenha sido influenciado diretamente por esse
variado e fervilhante quadro cultural e social do Império Austro-Húngaro - hipótese
que, particularmente, acho um tanto difÃcil- é inegável que sua estada nessa monarquia
dual modificaria não só sua vida particular, mas, também, a própria história da dinastia
brasileira exilada. Como muito mais tarde recordaria seu filho e herdeiro, Dom Pedro
Gastão (1913-2007), a propósito desse perÃodo da vida de seu pai: "Passando de
guarnição em guarnição através do imenso Império austro-húngaro,conheceu gente,
costumes e lÃnguas diferentes. Fez aprendizado magnÃfico no Império mais importante
da época.".
2
Na Academia Militar, Dom Pedro d´Alcântara ficara amigo de quatro irmãos, filhos de
Johann-Wenzel Barão Dobrzensky von Dobrzenicz (1841-1919). Quando tinha licença
das suas obrigações militares, não podendo ir para casa, visto que a França estava muito
distante do Império Austro-Húngaro, aceitava o convite desses irmãos e passava alguns
dias no castelo da famÃlia Dobrzensky, na região da Boêmia, uma bela propriedade,
localizada em Chotebor, a aproximadamente 300 km da cidade, onde se situava a
academia militar de Wiener Neustadt. Foram nessas visitas a Chotebor que Dom Pedro
d´Alcântara apaixonara-se pela filha do Barão Dobrzensky von Dobrzenicz. Tatava-se
de Maria Elisabeth Adelhaid, nascida no mesmo castelo em 7 de dezembro de 1875. Em
abril de 2003, a Condessa de Paris, filha da Condessa Elisabeth Dobrzensky, concedeu-
me, por carta, uma entrevista e assim descreveu a formação de sua mãe:
A Princesa Elisabeth falava e escrevia em cinco lÃnguas: tcheco, inglês, alemão,
francês e português. Além disso, ela era muito boa pintora de retratos. Ela
fizera seus estudos em Chotebor, com diversos professores que residiam no
castelo. Às vezes ela se beneficiava, também, com professores de seus irmãos, o
que não é nada mal. Mais tarde entrou na Academia de Pintura e de Música em
Munique.3 4
Com toda certeza, o encontro de Dom Pedro d´Alcântara com a jovem e bela Elisabeth
Dobrzensky, despertou, reciprocamente, um amor intenso e forte. O noivado demoraria
oito longos anos, pois os Condes d´Eu colocaram todos os empecilhos para que o
casamento se realizasse. O motivo era a diferença de nascimento entre os noivos. Nos
dias de hoje, em que prÃncipes herdeiros desposam livremente legÃtimas plebéias, o
impedimento apresentado pelos Condes d´Eu afigura-se estranho e sem fundamentos.
Ainda mais quando sabemos que os Dobrzensky não eram, de forma alguma, plebeus.
Para espanto de todos, o Conde d´Eu tinha antepassados em comum com a sua futura
nora, através do sangue dos Kohary que herdara de sua avó materna. Esses ancestrais
em comum eram: Christof-Leopod Conde von Thürheim (1629-1689), Franz Conde von
Trautsmandorff (1677-1753), Maria Condessa von Kaunitz (1682-1735).
5
Dom Pedro
Gastão resumiu, dessa forma, a problemática do casamento de seus pais: Com trinta e
um anos casou. Não com muita satisfação do Conde d´Eu. Meu avô achava que prÃncipe
só podia casar com alteza real e não gostou que papai se casasse por amor com uma
condessa do Império Austro-Húngaro.
6
DA DISTANTE BOÊMIA AO "IMPÉRIO" DO BRASIL: EIS É A QUESTÃO...
A primeira menção aos Dobrzensky data do ano de 1339, na pessoa de Zdenko e
Bohunko Von Dobrzenic senhores do vilarejo de Dobrenice, na região leste da Boêmia,
que, atualmente, situa-se no distrito de Hradec Králové. Não só o patronÃmico dos
Dobrzensky está intimamente ligado ao vilarejo de Dobrenice - topônimo que dá origem
ao sobrenome - mas também o próprio brasão dessa localidade. Até hoje a cegonha
figura tanto no brasão de Dobrenice, quanto naquele dos condes Dobrzensky von
Dobrzenicz. Diz a lenda que um jovem membro da famÃlia Dobrzensky fora preso pelos
turcos e vendido como escravo. Certo dia, vira uma revoada de cegonhas.
Imediatamente, lembrou-se que, na propriedade de sua famÃlia, havia um desses
pássaros, que chamavam de Sotku. Esta cegonha era muito mansa e, quando alguém o
chamava, obedecia e vinha ao encontro da pessoa. Em um impulso, sem muita
explicação, o Dobrzenky resolveu gritar pelo nome de Sotku. Para sua surpresa, uma
das cegonhas veio em sua direção. Depois de tanto tempo de cativeiro, a presença
daquele pássaro, tão familiar, despertou grande júbilo.O jovem Dobrzensky teve uma
grande idéia, era a oportunidade de recuperar a tão desejada liberdade, retirou de uma
árvore um pedaço de casca, gravou o seu nome e a localização de onde estava. Depois
amarrou, no pescoço da ave, esse pedido de socorro. A famÃlia acreditava que o jovem
Dobrzensky já estivesse morto, quando seu pai viu o que Sotku trazia, preso ao pescoço,
ordenou que os criados levassem, rapidamente, o dinheiro para alforriar seu filho do
jugo da escravidão. Desde então, como agradecimento ao pássaro redentor, os
Dobrzensky trazem sobre o seu brasão, paro todo o sempre, a fiel cegonha.
Os Dobrzensky foram reconhecidos na categoria de antigos senhores da Boêmia
(Böhmischer alter Herrenstand) por documento datado de 18 de junho de 1696. Em 21
de fevereiro de1744 é concedido o tÃtulo de "barão" aos irmãos Wenzel Peter, Franz
Karl e Johann Joseph Dobrzensky von Dobrzenicz. Johann Joseph Dobrzensky, trisavô
da Condessa Elisabeth, assumiria a chefia dessa Casa baronial após a morte de seu
irmão Wenzel Peter em 1783. Em 1906 o pai de Elisabeth Dobrzensky ascenderia ao
tÃtulo de "conde" e em 1912 tornar-se-ia Membro Hereditário da Câmara dos Senhores
d´Ãustria. Entretanto, anteriormente, Anna Elisabeth Baronesa Dobrzensky von
Dobrzenicz, de um ramo colateral da famÃlia, fora agraciada com o tÃtulo de "condessa",
em 1879, quando do noivado com o PrÃncipe Friedrich Wilhelm zu Ysenburg und
Büdingen.
A trágica solução, encontrada pelos Condes d´Eu, para o suposto dilema do casamento,
foi obrigar que o filho primogênito, detentor dos direitos inalienáveis à sucessão da
Casa Imperial do Brasil, renunciasse. Passando por cima de toda legitimidade
constitucional e jurÃdica. Dom Luis, o segundo filho dos Condes d´Eu, como já vimos
algumas linhas a cima, desde da mais tenra infância fora considerado como uma criança
viva e inteligente em comparação com o irmão mais velho. Dom Luis havia encontrado
uma noiva que correspondia perfeitamente às exigências dos pais, tratava-se de Dona
Maria Pia Princesa das Duas-SicÃlias. Sobre o caráter desse prÃncipe Barman afirma:
[...] LuÃs, o irmão mais moço de Pedro, era um ativista; ambicioso e
voluntarioso, encarava o mundo como algo a ser conquistado. Praticante de
alpinismo, escalou o Mont Blanc em 1896. A uma visita ao sul da áfrica, seguiu-
se uma longa ousada excursão à Ãsia Central e à Ãndia. Sobre essas três
experiências ele escreveu e publicou. Era no segundo filho, não em Pedro, que
D. Isabel e o Conde d´Eu viam a pessoa capaz de manter a causa da monarquia
no Brasil.
7
O destino de cada um dos filhos já estava decidido pelos Condes d´EU, o que pode ser
percebido pela própria sucessão de datas: Em 4 de novembro de 1908 Dom Luis se casa
com a princesa das Duas-SicÃlias, em 30 de outubro Dom Pedro d´Alcântara escreve
uma carta "renúncia" sem nenhum valor legal, sem qualquer respaldo na tradição da
Casa de Bragança, por mero e fatÃdico capricho da Princesa Isabel. Finalmente, depois
de anos de espera, no dia 14 de novembro de 1908, em Versalhes, Dom Pedro
d´Alcântara casa-se com a Condessa Elisabeth Dobrzensky Von Dobrzenicz.
A Princesa Isabel assim explicaria a causa da suposta "renúncia" de seu filho mais velho
a Teresa da Baviera:
Quero também dar-te a notÃcia do casamento do nosso filho Pedro. Há mais de
cinco anos que ele desejava este consórcio com a Condessa Elisabeth
Dobrzensky, de excelente famÃlia nobre e antiga. Como porém não era de
famÃlia régia, demoramos nosso consentimento até que o LuÃs se casasse, e
agora entendemos dever anuir.
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[Os grifos são nossos]
A "renúncia" foi polêmica. A famÃlia imperial não constituÃra um governo no exÃlio, ao
qual reconhecesse oficialmente. O que havia era um Diretório Monárquico escolhido,
sem preencher as necessárias formalidades, como o interlocutor preferido no Brasil para
tratar questões polÃticas e uma possÃvel restauração. Faziam parte desse grupo figuras
eminente do império recém derrubado: o Visconde de Ouro Preto (1837-1912),
Lafayette Rodrigues Pereira (1834-1917), João Alfredo Corrêa de Oliveira (1835-1919),
Domingos de Andrade Figueira (1833-1910). Quando a notÃcia da "renúncia" chegou ao
Brasil o Conselheiro Andrade Figueira não quis aceitá-la. A Princesa Isabel, nem
sequer, solicitara previamente o aconselhamento dos membros do Diretório
Monárquico. O Conselheiro Corrêa de Oliveira ainda que acatando, sempre com
subserviência, as decisões e os fatos deixa transparecer sua sincera opinião:
Se em vez do fato eu tivesse de considerar o projeto, pediria vênia à V.M.I. para
insistir no meu parecer de se reservar qualquer intento de renúncia para o
tempo da restauração, ou na sua iminência tão segura que não falhasse,
ponderando-se então tudo quanto pudesse influir em ato de tanta gravidade. E
continua: Francamente nunca percebi que uma mudança na ordem de sucessão
facilitasse o restabelecimento da monarquia, nem que a tal respeito houvesse
aqui votos consideráveis e trabalho útil [...].
9
Diz-se que Dom Pedro d´Alcântara nunca voltara atrás com a sua "renúncia", tal
afirmativa é só em parte verdadeira, pois em entrevista de 1937 mostrava ter plena
consciência da invalidade desse documento:
Quando há muitos anos renunciei ao trono imperial - Disse A. A. - em favor de
meu irmão o PrÃncipe D. Luiz, o fiz apenas em caráter pessoal sem atender as
determinações das Leis Brasileiras, sem prévia consulta à nação, sem os
necessários protocolos que precedem atos dessa natureza, não foi, além disso,
uma renúncia hereditária. Mas tarde conversando na Europa e durante minhas
visitas ao Brasil, com alguns monarquistas, verifiquei que minha renúncia não é
válida por muitos motivos, além dos que acabo de citar. O Conselheiro João
Alfredo, que detinha em se poder uma cópia autêntica da renúncia, também me
afirmou idêntico parecer
.
10
Em 3 de setembro de 1920, o Presidente do Brasil Epitácio Pessoa termina com a lei do
Banimento que impedia a famÃlia Imperial de entrar no Brasil. Em 1922 a Condessa
Elisabeth Dobrzensky vem, pela primeira vez, ao Brasil. A Condessa de Paris conta que
sua mãe, ainda no navio, ao ver, de longe, a cidade de Salvador teve uma grande
surpresa, pois sempre sonhara, desde sua infância nos confins da Boêmia, com aquela
misteriosa paisagem que, agora, se fazia revelar. Depois disso, como se o destino, já
estivesse cumprido, Elisabeth Dobrzensky nunca mais sonharia com tal paisagem.
Dom Pedro d´Alcântara morreu em Petrópolis, no Palácio do Grão-Pará, em 29 de
janeiro de 1940. O menino que nascera como herdeiro do imperador do Brasil, expirava
quando o antigo palácio de veraneio dos avós já havia se tornado o Museu Imperial e o
Brasil estava em plena ditadura de Getulio Vargas.
Elisabeth Dobrzensky von Dobrzenicz veio a falecer em Portugal, em Cintra, no dia 11
de junho de 1951. Sobre a personalidade e os últimos dias de sua mãe, a Condessa de
Paris nos deixou a seguinte descrição:
[...] era viva, espontânea, às vezes impertinente, sempre corajosa na
adversidade e na dor. Sofrendo de um câncer, ela passou os seis últimos meses
de sua vida sofrendo terrivelmente, mas nunca demonstrava nada.
Simplesmente, de tempos em tempos, vÃamos que ela encolhia-se na cadeira,
porém, nunca disse nada. Ela foi para cama somente oito dias antes de morrer
[...] No fundo ela estava muito feliz de partir e reencontrar meu pai no paraÃso.
Era sua idéia fixa [...], pois fora um casal muito unido. A partir da morte de
papai, ela compartilhava da nossa vida com alegria e gentileza, mas esse câncer
fora doloroso. Tenho a impressão que para ela a vida sem papai não tinha mais
interesse. Sua doença foi quase uma libertação.
11
UMA SIMPLES CARTA E SUA ÉPOCA
Nos arquivos do Palácio do Grão-Pará, em Petrópolis, encontramos diversas cartas em
francês, escritas, pela Condessa Elisabeth Dobrzensky Von Dobrzenicz. Estas são
direcionadas à Princesa Isabel, sua sogra a quem dirige como mamãe, tratamento esse,
seguramente, inserido dentro da etiqueta da famÃlia. A correspondência tem inÃcio
pouco tempo depois do casamento, sendo uma das primeiras cartas datadas de 3 de
fevereiro de 1909. A letra de Elisabeth era não muito firme e com contornos elaborados,
porém, despojada da rigidez simétrica da caligrafia da época. DirÃamos que era uma
letra até um tanto desordenada, ao contrário daquela da Condessa Kottulinsky, sua mãe,
uma letra firme e de traços retos. As cartas dissertam sobre temas extremamente
cotidianos e parecem ter sempre um pano de fundo tranqüilo, como o de qualquer
famÃlia da elite dos inÃcios do século XIX. Acredito que essa parte da correspondência
ativa da Condessa Elisabeth Dobrzensky aproxima-se mais do silêncio das convenções
da época e do seu meio social, do que das tácitas tensões do interior de qualquer famÃlia,
especialmente, quando pensamos no contexto, no qual a nobre da Boêmia adentrara no
seio e nos patamares da famÃlia imperial do Brasil. O ambiente que vai, pouco a pouco,
ali surgindo é uma mescla simultânea de burguesia e nobreza. Burguesia pela placidez
de um cotidiano repleto de atividades agradavelmente triviais. Eis alguns pequenos
exemplos, retirados de cartas diversas:
Minha tão cara mamãe e papai, obrigada mil vezes pelo gentil ovo de páscoa
que me deu tanto prazer. "
12
; "Mas o que era mais bonito era o nascer do sol e
toda a natureza nessas horas matinais. Depois dormi até meio dia. Após o
almoço, todos os dias, tinha intenção de pintar, havia temas admiráveis. Em vês
disso, fizeram-me jogar bridge até de noite."
13
; "Se vê que mamãe não para com
as vendas de caridade. Espero que isso não seja muito cansativo"
14
; "Eu estou
pintando a filhinha de Louise. Eu queria pintar paisagens, mas estou muito
preguiçosa aqui."
15
; "Nós continuamos nossos trabalhos de bordado e as
galinhas de mamãe colocaram 8 ovos hoje, ontem seis. Mas elas estão muito
desordenadas e os põem um pouco em todo lugar."
16
.
Mas, por outro lado, as marcas de pertencimento à nobreza são nÃtidas, nas relações
sociais e nas constantes caçadas, atividade, por excelência, da aristocracia. Reflexos de
um mundo onde as marcas simbólicas, entre a nobreza e a burguesia, interpenetravam-
se no modus vivendi de ambos os grupos. Porém, a consciência e os limites de cada
ordem continuavam bem atuantes. A nÃtida e quase absoluta hierarquia do antigo regime
há muito se desfizera, mas seus ecos eram perfeitamente audÃveis.Vejamos:
Nós estamos ainda em Krasne, nossa partida daqui foi atrasada, porque a
Princesa de Radziwill, que nós temos a intenção de ir ver na Lituânia, pediu-nos
que atrasássemos um pouco nossa visita, não estando ela ainda pronta para nos
receber.
17
; [...]nós passamos uma estada encantadora em Copenhagen, desde o
primeiro dia Aage, o filho primogênito do prÃncipe Waldemar incubiu-se de nos
divertir.
18
Depois nós tÃnhamos tomado chá, na casa do Conde Thursa adido da
embaixada da Ãustria que nós conhecemos, assim como sua mulher
19
.
Uma das cartas, que mostra perfeitamente esse espÃrito de nobreza, deve ser mencionada
integralmente:
Minha cara mamãe:
Eu agradeço mil vezes pelo cartão e pela carta aqui encontradas. Pedro
escreveu ontem para papai o que nós fizemos desde Copenhagen, onde eu havia
enviado uma carta à mamãe no dia de nossa partida. Pensamos em ficar ainda
alguns dias por aqui, pois fomos convidados por várias pessoas das redondezas
para caçadas e jantares. Todo mundo é muito gentil e amável. Aqui ontem Ã
noite aconteceu um grande jantar, ao qual vieram o Conde e a Condessa
Westphalen, que são austrÃacos, nós o conhecemos da Ãustria e moram perto
daqui. Iremos domingo ao castelo deles para ouvir missa e almoçar. Estavam
também o Conde Platen com sua famÃlia, o Conde Haka
20
, o Conde Hardenberg,
todos vizinhos daqui. Por fim o prefeito, que aqui chamam de Landreth, com sua
mulher. A região é muito bonita - fazemos passeios encantadores no lago de
Selent e a beira mar. O tempo está bom e quente, a s arvores estão ainda bem
verdes. Nós iremos ainda hoje tentar atirar em alguns gamos. Espero que vocês
partam bem, minha cara mamãe, assim como papai e que em Eu esteja fazendo
tão bom tempo quanto aqui.
Pedro e eu beijamos suas mãos as mãos dos caros pais, abraçando ternamente
minha cara mamãe, sua filha agradecida
Elsi
O DESCANSO NO PANTEÃO IMPERIAL
Indiretamente Elisabeth Dobrzensky Von Dobrzenicz iria marcar para sempre a história
da FamÃlia Imperial Brasileira. Reivindicando uma falsa legalidade da carta renúncia de
Dom Pedro dAlcântara, os descendentes de seu irmão, Dom Luis, reivindicam os
direitos sobre a herança dos Imperadores do Brasil, o que desencadeou uma questão
dinástica e, por tal motivo, a divisão dos Orléans e Bragança em dois ramos. Os
descendentes de Dom Pedro dAlcântara ficaram conhecidos pelo nome de Ramo de
Petrópolis e os de Dom Luis como Ramo de Vassouras. Este último ramo, apoiado por
um movimento polÃtico ultra-reacionário conquistou a antipatia de grande parte da
opinião pública no plebiscito de 1993 e, atualmente, continua, teimosamente, aferrado a
ideais de uma monarquia de direito divino. Os fundamentos reivindicatórios do Ramo
de Vassouras são ainda mais falaciosos e contraditórios, quando sabemos que a sua
sucessão repousa em uma méssaliance com uma princesa de Ligne. Como é público e
notório essa famÃlia originária da região belga do Hainaut nunca foi considerada régia. É
mais do que suficiente lembrar que, no Almanaque de Gotha, os Ligne figuravam na
terceira parte e não na primeira, destinada as casas soberanas e sequer na segunda,
consagrada às casas mediatizadas.
Por mais que pertença a alta nobreza, de forma alguma pode ser considerada famÃlia
régia, condição que era imposta pela Princesa Isabel para os casamentos dos herdeiros
da Casa Imperial do Brasil, conforme trecho, de carta de sua autoria, citado acima.
Em contrapartida, Dom Pedro Gastão, em seu Palácio do Grão-Pará em Petrópolis,
conseguiu reinar, durante a segunda metade do século XX e, em plena república,
simbolizou, como ninguém, a sÃntese entre modernidade, democracia e monarquia. O
grande historiador espanhol de famÃlias reais Juan Balansó bem sintetizou:
[...] estou convencido de que Dom Pedro [Gastão] poderia ser um grande
imperador constitucional, como foram Pedro I e Pedro II [...].
21
Talvez a prova mais contundente da legitimidade dinástica da descendência de da
Condessa Elisabeth Dobrzensky, seja o local de destaque ocupado por aqueles que
levam seu sangue nas veias: Dom Pedro Gastão, seu filho, foi casado com a tia do Rei
de Espanha; o atual Conde de Paris, Dom Duarte Nuno de Portugal e a Duquesa
Consorte de Wurtenberg são seus netos e Alexandre, prÃncipe herdeiro da Iugoslávia, é
seu bisneto. No panteão da Catedral de Petrópolis, ao lado de Imperador Dom Pedro II,
da Imperatriz Dona Tereza Cristina, da Princesa Isabel e do Conde dEu, somente mais
duas pessoas tiveram a honra de aà repousar: Dom Pedro dAlcântara e Elisabeth
Condessa Dobrzensky. Diante desta evidência - ainda que a república tenha impedido a
continuidade da monarquia no Brasil podemos dizer que, por direito (de jure) Elisabeth
Dobrzensky von Dobrzenicz foi Imperatriz do Brasil.
Referências:
1
Assim dizia o capÃtulo III, artigo 105, da Contituição do Império do Brasil: O Herdeiro presumptivo do
Imperio terá o Titulo de "Principe Imperial" e o seu Primogenito o de `Principe do Grão Pará´ todos os
mais terão o de "Principes". O tratamento do Herdeiro presumptivo será o de "Alteza Imperial" e o
mesmo será o do Principe do Grão Pará: os outros Principes terão o Tratamento de Alteza.
2
ORLEANS E BRAGANÇA: Centenário do prÃncipe do Grão-Pará in Revista do Instituto Histórico e
Geográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa nacional, 1978. Volume 316, julho-
setembro de 1977. (p. 369)
3
Condessa de Paris, Isabel de Orléans e Bragança: Entrevista. Texto em francês não impresso, arquivo
particular Victor Villon.
4
A Condessa de Bacelona, mãe do Rei Juan Carlos de Espanha, também, reconhecia os talentos
artÃsticos da Condessa Dobrzensky: “Em Paris tÃnhamos muitos familiares. Com quem mais nos
dávamos era com o Tio Pedro de Orléans e Bragança, que era filho de um Orléans, o Conde d´EU e de
Isabel de Bragança, que fora herdeira do trono do Brasil. Estava casado com uma senhora checa, a
Condessa Elisabeth Dobrzensky, a tia Elsi, que era uma artista. Tocava muito bem piano e pintava
estupendamente. Viviam em uma magnÃfica casa no Bois de Boulogne e tinham cinco filhos [...]â€.
González de Vega, Javier : Yo, MarÃa de Borbón. El PaÃs Aguilar (p. 47)
5
MONJOUVENT: Philippe de: Le Comte de Paris Duc de France et ses ancêtres. Charenton : Éditions du
Chaney, 2000.
6
ORLEANS E BRAGANÇA: Centenário do prÃncipe do Grão-Pará in Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa nacional, 1978. Volume 316, julho-
setembro de 1977. (p. 369)
7
BARMAN, Roderick J. : Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no século XIX. São Paulo: editora da
Unesp. 2002 p. 300
8 LACOMBE, Lourenço Luiz: Isabel a Princesa Redentora. [s.d.] (p.275 e 276)
9 CORRÊA DE OLIVEIRA, João Alfredo: Cartas do Conselheiro João Alfredo à Princesa Isabel in Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Transcrição e notas de Pedro Moniz de Aragão. Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1964. Volume 230, julho-setembro, 1963. (p. 374)
10 Disputa de PrÃncipes :Diário da Noite 27 de Janeiro de 1936, ano VIII nº 2529. Secessão de
periódicos da Biblioteca Nacional. Microfilme: PR-SPR 397 Diário da Noite - 2 de Janeiro / 29 de
Fevereiro.
11 Condessa de Paris, Isabel de Orléans e Bragança: Entrevista. Texto em francês não impresso,
arquivo particular Victor Villon.
12 Eu, 09/03/1909
13 Graz, 18/09/1909
14 Chotebor, 25/09/1909
15 Krasne, 03/10/1909
16 Eu, 16/02/1911
17 Krasne,03/10/1909
18 KjØbenhavn (Copenhagen), 17/10/1910
19 Idem
20 A grafia não está perfeitamente legÃvel
21 BALANSÓ, Juan: La famÃlia Real y La famÃlia irreal. Barcelona: Editorial Planeta, 1992. p.192
Victor VILLON é graduado e mestrando em História pela PUC-Rio.
Astrid BODSTEIN, historiadora e genealogista dinasta, realizou gentilmente a
pesquisa iconográfica.
TÃtulo original em português: Elisabeth Dobrzensky Von Dobrzenicz,
"Imperatriz do Brasil". Tradução para o inglês de Colin FOULKES.